Extrassístoles Ventriculares

As EV ocorrem quando o miocárdio ventricular gera um impulso elétrico independente, havendo uma contração ventricular prematura, isto é, antes da onda P sinusal. Geralmente, as características na tira de ECG são:

  1. QRS que ocorrem esporadicamente, não são conduzidos por onda P, e apresentam as seguintes características
    1. > 120ms, e
    2. Se houver mais do que um foco,  podem ter diferentes morfologias (polimórficas), e
    3. Onda T no sentido inverso ao do QRS, e
    4. Frequentemente, a seguir à EV há uma pausa.
    5. As EV são típicas quando a morfologia é de BRE (ou seja, QRS predominantemente negativo em V1) o eixo elétrico tem direção inferior (ou seja, QRS predominantemente positivo em DII, DIII e aVF).
  2. As extrassístoles podem ocorrer com padrão de bigeminismo se houver uma extrassístole a seguir a cada complexo QRS normal, com padrão de trigeminismo se houver uma extrassístole a seguir a cada 2 complexos QRS normais. Ou podem ocorrer em couplet, isto é, duas extrassístoles seguidas, triplet, 3 extrassístoles seguidas.
  3. Se ≥ 3 EV seguidas, que cedem espontaneamente em <30segs, estamos na presença de uma Taquicardia Ventricular Não Sustentada.

NOTAS:

  1. Pode haver exceções a estas características, nomeadamente quando:
    1. Há um bloqueio de ramo prévio, os QRS podem ser <120ms
    2. Pode haver uma pseudonormalização da onda T em doentes com história de DCI

Mais do que casusa, de seguida enumeraremos algumas dos principais factores de agravamento e/ou associados a EV.

  1. Idiopático
  2. Demográficas:
    1. Idade avançada
    2. Sexo masculino
    3. Baixo estatuto socioeconómico
    4. Raça negra
    5. Pessoas altas
  3. Causas cardiovasculares:
    1. HTA
    2. Cardiopatia hipertrófica
    3. Cardiopatia dilatada
    4. Cardiopatias congénitas
    5. DCI
    6. Miocardite
    7. Cardiomiopatia arrtimogénica do ventrículo direito
    8. Taquicardia ventricular idiopática
    9. Patologia dos canais iónicos
  4. Condições não cardíacas
    1. DPOC
    2. Tabagismo
    3. Sedentarismo
    4. Anemia
    5. Hipóxia
    6. Hipertiroidismo
    7. Feocromocitoma
    8. Doença aguda (infecção, etc.)
    9. SAOS
    10. Hipertensão pulmonar
    11. Endocrinopatias
    12. Hiper/hipotiroidismo
    13. Patologia da supra-renal ou gónadas
    14. Nicotina
    15. Álcool
    16. Cafeína/teofilina
    17. Fármacos simpáticomiméticos (ex.: β-agonistas, descongestionantes, anti-histamínicos)
    18. Drogas (ex.: cocaína, anfetaminas)
    19. Fármacos que aumentem o intervalo QT ou repolarização (Ex: digoxina, antiarrítmicos)
    20. Distúrbios electrolíticos
    21. HipoK+
    22. HipoMg2+
    23. HiperCa2+
  1. Estudo Padrão
  2. ECG
  3. HOLTER
  4. Ecocardiograma
  5. Prova de esforço se suspeita de DCI ou sintomas (ex. palpitações) com esforço
  6. Ponderar outros MCDT, de acordo com suspeita clínica.

Imagem – Fluxograma de abordagem a EV

  1. Numa primeira abordagem, deve ser feita anamnese cuidada, despiste de factores precipintantes/causas reversíveis e pedidos MCDT. Ter especial atenção a:
    1. História pessoal de síncope de características cardíacas, cardiopatia, e comorbilidades;
    2. História familiar de morte súbita ou doença cardiovascular em idade jovem.
  2. Na ausência de contrainidacações iniciar β-Bloq, e encaminhar para consulta de Cardiologia se:
    1. Carga de EV≥10%/dia e cardiopatia que não é melhor explicada pela restante história clínica do doentee/ou
    2. História, ou suspeita, de cardiopatia estrutural/arrítmica significativa, independemtente do número de extrassístoles:
      1. Valvulopatia moderada a grave; ou
      2. Compromisso da fracção de ejecção (reduzida ou ligeiramente reduzida); ou
      3. Cardiomiopatia hipertrófica; ou
      4. DCIou
      5. Arritmogénica (ex. Brugada, QT longo, cardiopatia arritmogénica do ventrículo direito); ou
      6. Síncope, pré-síncope ou dor torácica anginosa correlacionadas com a EV em Holter ou ECG; ou
      7. Número de extrassístoles mantém-se, ou aumenta, em relação ao basal, durante ou após o exercício ou prova de esforço – suspeitar de DCI (medicar com estatina alta intenstidade e aspirina enquanto aguarda consulta de Cardiologia; enviar ao SU se angina instável), ou doença genética se idade jovem sem FRCVou
      8. Doença sistémica com atingimento cardíaco (ex. sarcoidose, amiloidose).
  3. As características abaixo elencadas descrevem EV de risco, que podem estar associadas a cardiopatia (sobretudo valvular, isquémica ou hipertensiva em idosos; congénita em idades jovens) com risco de morte súbita. Por isso, esses utentes devem ser vigiados (ex. com holter, ECG e ecocardiograma anuais), haver um controlo de FRCV e, caso as características sejam marcadas e as EV frequentes, deve ser ponderada referenciação para consulta de Cardiologia.
    1. História familiar de morte súbita, morte de causa CV em idade jovem ou cardiomiopatia hereditária/em idade jovem; ou
    2. História pessoal de síncope de causa cardíaca que não é melhor explicada pela restante história clínica; ou
    3. EV polimórficas; ou
    4. Couplets, triplets, runs, TVNS ou TVS (ver abordagem dos respectivos capítulos); ou
    5. Predomínio de EV com complexos QRS muito alargados (≥ 130ms); ou
    6. EV que interrompem a onda T (fenómeno R em T); ou
    7. EV interpoladas, ou seja, que não alteram a duração dos intervalos R-R; ou
    8. Morfologia não típica (ver definição); ou
    9. Idade avançada, sobretudo se existirem outras características de alto risco.
  4. Finalmente, na maioria dos restantes utentes (ou seja, nos utentes sem cardiopatia significativa, com EV de características típicas, e sem características de alto risco)  o prognóstico é geralmente benigno e as extrassístoles são achados muito frequentes na população geral. Reforçar que se deve controlar os FRCV e:
    1. Se o doente tiver sintomas relacionados com as EV:
      1. Iniciar β-Bloq. Repetir holter no espaço de 1 mês e titular dose, se necessário, até ausência de sintomas ou surgirem contraindicações ao β-Bloq. Encaminhar para consulta de Cardiologia se mantiver sintomas após titulação de fármaco, ou contraindicações aos β-Bloqou
      2. Encaminhar para consulta de Cardiologia se utente preferir tratamento definitivo, com ablação. Esse procedimento é invasivo, mas eficaz e de baixo risco sobretudo nas EV de características típicas.
    2. Nos utentes assintomáticos, mas a carga de EV ≥ 10%/dia:
      1. Iniciar β-Bloq. Repetir holter no espaço de 1 mês e titular dose, se necessário, até carga de EV <10%/dia ou surgirem contraindicações ao β-Bloq.  Encaminhar para consulta de Cardiologia se mantiver carga de EV ≥10%/dia após titulação de fármaco, ou contraindicações aos β-Bloqou
      2. Encaminhar para consulta de Cardiologia se utente preferir tratamento definitivo, com ablação. Esse procedimento é invasivo, mas eficaz e de baixo risco sobretudo nas EV de características típicas.
    3. Em todos os utentes, vigiar sinais/sintomas e repetir MCDT:
      1. Se surgirem sinais/sintomas de novo (ex. palpitações, síncope, etc.); ou
      2. Pelo menos duas vezes por ano se carga de EV ≥10%/dia, pelo risco de desenvolverem cardiopatia estrutural.

NOTA: Bigeminismo, trigeminismo, quadrigeminismo, etc., ao contrário dos couplets e triplets, não têm  significado prognóstico.